quarta-feira, 7 de setembro de 2011

VIVA A DEMOCRACIA

Artigo do jornalista Matheus Pichonelli publicado em 02 de setembro de 2011.
"O mais novo aliado do vice-presidente Michel Temer (PMDB) é um prefeito que está prestes a vender, para a própria prefeitura, parte de um “buraco” de 9.967 metros quadrados, em Indaiatuba, que ele mesmo adquiriu dias após a sua eleição.
O caso, aparentemente pitoresco, é um exemplo de como interesses públicos e privados se misturam na região metropolitana de Campinas, uma das mais ricas do País e hoje palco de escândalos políticos e ações policiais.
É ali que o vice-presidente acaba de montar sua nova trincheira para 2012.
Com a morte, no ano passado, do ex-governador Orestes Quércia, velho cacique do PMDB paulista, novas lideranças reforçaram o avanço de Temer pelo interior paulista.
Uma das principais delas é 
o prefeito de Indaiatuba, Reinaldo Nogueira, herdeiro do protagonismo regional que antes era exercido pelo ex-correligionário e prefeito cassado de Campinas, Hélio de Oliveira Santos (PDT).

Aos 43 anos, em seu terceiro mandado, Nogueira caminha para a reeleição em 2012 e, ao lado de Temer, vislumbra voos mais altos.
Conta, para isso, com o apoio de 11 dos 12 vereadores da cidade e uma máquina eficiente de arrecadação que lhe permite certas excentricidades.
A venda do “buraco” é, talvez, a mais simbólica.
Em novembro de 2008, o então candidato adquiriu, na companhia do irmão – o deputado estadual Rogério Nogueira (PDT) –, dois terrenos (glebas) abandonados da cidade por 149,3 mil e 75 mil reais.
A área, antes utilizada para retirada de argila por uma cerâmica, estava abandonada há anos e era frequentada por usuários de drogas e moradores do entorno, que se arriscavam a percorrer o terreno seco e arenoso, tomado por capim.
Foi ali que, com menos de três meses de mandato, Nogueira, um dos políticos mais ricos do País, propôs duas ações de desapropriação de parte do terreno para prolongar uma rua que dá acesso a uma escola municipal.
O valor total das indenizações chega a quase 2 milhões de reais, o que significa que o Nogueira prefeito tenta garantir ao Nogueira empresário e seus sócios um lucro quase dez vezes superior ao investimento.
O caso é investigado pelo Ministério Público.
A prefeitura argumenta que os valores oferecidos foram periciados e que os terrenos já pertenciam à família Nogueira – foram apenas repassados para o nome do prefeito e seus irmãos.
“Quem vai decidir o valor da desapropriação é a Justiça, e não a prefeitura”, diz o secretário de governo, Odair Gonçalves de Oliveira.
A obra, argumenta ele, é um pedido dos moradores.
A suposta indústria das desapropriações acontece justamente numa região onde estão instaladas algumas das principais empresas do País – como a Honda e a Unilever – e onde a expansão e a valorização imobiliária são notórias.
Não encerra, no entanto, a teia de suspeitas que rondam a vizinhança de Campinas, que chegou a ter três prefeitos em menos de 72 horas.
Quem acompanhou o escândalo de Campinas sabe que o esquema de propinas estava espalhado pela região.
Numa interceptação telefônica, representantes de uma das empresas investigadas dizem que o prefeito de Indaiatuba teria negociado apoio para a campanha política em troca de facilidades na cidade.
Como em Campinas, os suspeitos tentavam abocanhar contratos na empresa de saneamento local.
Nogueira é pivô do até aqui mais misterioso capítulo das investigações sobre a suposta quadrilha.
Antes de o caso estourar, o policial federal Richard Fragnani de Moraes, responsável pela decupagem dos áudios em poder do Ministério Público, tentou extorquir as pessoas citadas.
No começo do ano, o policial foi encontrado morto com um tiro na cabeça.
Embora o laudo inicial tenha apontado suicídio, o caso continua cercado de mistério.
Antes do crime, Nogueira encontrou-se com o policial – que, por 2 milhões de reais, prometia livrar o político das investigações.
Após a morte do agente, Nogueira apresentou-se à Promotoria, em Campinas, para prestar depoimento.
De acordo com a prefeitura, a extorsão não foi aceita e Nogueira não tinha o que temer.
Até o momento, nada foi provado contra ele, mas os indícios de participação de outras prefeituras no esquema, além de Campinas, seguem sob investigação.
Isso porque o Gaeco, grupo do Ministério Público que desarticulou a quadrilha, não tem atribuição para investigar prefeitos – algo que fica na alçada do Tribunal de Justiça.
Caso contrário, a operação policial na região seria ainda maior.
Até o final das apurações, cabe ao vereador Carlos Alberto Rezende Lopes, o Linho (PT), o papel de opositor único da Câmara Municipal.
Em 2009, Linho antecipou quem seria a empresa vencedora de um pregão para fornecer equipamentos eletrônicos para a prefeitura em um contrato que poderia chegar a 25 milhões de reais.
A mesma empresa – a Unirepro Serviços Tecnológicos – figurou meses depois em outro escândalo: o mensalão do DEM.
A prefeitura diz que o contrato foi cancelado porque o serviço não foi prestado, mas o vereador afirma que novos contratos com a empresa foram firmados desde então – o mais recente foi firmado em abril deste ano, num valor de 72 mil reais mensais por serviços de impressão off-set.
Mais recentemente, Linho encaminhou uma representação ao Ministério Público Federal, que pede a investigação sobre convênios assinados com o Ministério do Turismo para a construção de dois portais na cidade, que não tem apelo turístico, no valor total de quase 200 mil reais.
Um dos monumentos foi erguido na entrada de um parque ecológico, símbolo da atual gestão.
O portal possui o mesmo desenho do logotipo da administração de Nogueira: um arco sobre cinco estacas.
Para a prefeitura, a área possui apelo turístico e recebe visitas de estudantes de várias regiões.
“Não é só praia que tem apelo turístico”, justifica o secretário de governo.
À sombra dos portais e das suspeitas, o PMDB paulista, que fez apenas um deputado federal em 2010, parece estar de olho nos 184.533 votos recebidos por Nogueira em sua campanha para deputado federal, em 2006.
Em uma semana, recrutou também outros dois prefeitos da região, em Jaguariúna e Cosmópolis, e, agora, controla boa parte dos votos da região.
Pouco antes, quem também embarcou na nau de Temer foi o ex-governador Antonio Fleury Filho, cuja base política fica do outro lado do estado: São José do Rio Preto.
Já o deputado estadual Baleia Rossi, filho do ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi, segue à frente do diretório estadual.
Sua base política é Ribeirão Preto, rica cidade de apelo agroindustrial no coração do estado.
O tabuleiro político tem no centro, São Paulo, o deputado federal Gabriel Chalita como a principal aposta.
No entorno, os peões se movimentam.
Pelo exemplo de Indaiatuba, é ali que mora o perigo."

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