domingo, 27 de novembro de 2011

BRASIL, PAÍS DE ALTA CRIATIVIDADE‏

O Brasil é um país de alta criatividade em políticas sociais, com saídas para amenizar, não para mudar a realidade. A criatividade começou na escravidão: ao invés de aboli-la recorremos à Lei do Ventre Livre. Os escravos sexagenários, os velhos, eram libertados, um eufemismo para abandonados. Até a Abolição da Escravatura aconteceu sem oferecer educação nem terra para os ex-escravos e seus filhos. A Abolição foi um eufemismo para a expulsão dos escravos das fazendas para as favelas.
 
Modernamente também temos sido campeões de imaginação, para soluções parciais.
 
Como o salário não era suficiente para pagar o transporte do trabalhador até o local de trabalho, ao invés de aumento salarial, criamos o vale-transporte, como se fosse um grande benefício social, quando, na verdade, foi um serviço à economia: garantir a presença do trabalhador na fábrica.  A regra é a mesma para o vale-refeição.  O salário não era suficiente para assegurar a alimentação mínima de um trabalhador, então a solução foi garantir a alimentação do trabalhador, mesmo que suas famílias continuassem sem comida.
 
Quando a inflação ficou endêmica, ao invés de combatê-la (só enfrentada em 1994), criou-se a correção monetária, que garantia moeda estável para quem tivesse acesso às artimanhas do mercado financeiro, enquanto o povo continuava com seus salários cada vez mais desvalorizados.
 
Hoje, quando o país vive um apagão de mão de obra qualificada, corremos para fazer escolas técnicas, esquecendo que, sem o ensino fundamental, os alunos não terão condições de aproveitar os cursos profissionalizantes.
 
A Bolsa-Escola foi criada para revolucionar a escola. Como isso não foi feito, ela se transformou na Bolsa-Família, sendo mais uma das soluções compensatórias, agregada ao vale-alimentação e vale-gás.
 
As universidades boas e gratuitas são reservadas para os que podem pagar escolas privadas no ensino básico. No lugar de fazer boas escolas para todos, criamos o PROUNI e cotas para negros e índios. O Brasil melhora com essas medidas, mas não enfrenta o problema e acomoda a população, como se agora todos já fossem iguais. Promovem-se benefícios com soluções provisórias, como se elas resolvessem o problema.
 
A solução adiada seria uma revolução que assegurasse escola de qualidade para todas as crianças, em um programa que se espalharia pelo País, onde todas as escolas fossem federais, como o Colégio Pedro II, as Escolas Técnicas Militares, os Colégios de Aplicação das Universidades.
 
Quando a desigualdade social força a separação entre pobres e ricos, que se estranham, ao invés de superar a desigualdade constroem-se muros em shoppings e condomínios, separando as classes sociais. Para impedir a convivência de classes, impedimos estações de metrô em bairros ricos, o que mostra um total desinteresse desses habitantes pelo transporte público.
 
Falta professor de Física, retira-se Física do currículo escolar. Os alunos não aprendem, adotamos a progressão automática. O Congresso não funciona, o STF passa a legislar. A população fala Português errado, em vez de ensinar o correto a todos, legitimamos a fala errada para a parte da população sem acesso à educação. Adotamos dois idiomas: o Português dos ricos educados e o Português dos pobres sem educação; o Português dos condomínios e o Português das ruas.  Ao invés de combater o preconceito e a desigualdade, legalizamos a desigualdade.
 
Ao invés de fazer as mudanças da estrutura, para construir um sistema social eficiente, equilibrado, integrado e justo optamos por simples lubrificantes das engrenagens desencontradas da sociedade. Nossas soluções podem até ser criativas, mas são burras e injustas. É a sociedade acomodando suas deficiências. Ao invés de enfrentar e resolver os problemas, nossa criatividade ajusta a sociedade a conviver com eles. E adia e agrava os problemas, porque ilude a mente e acomoda a política.
 
Cristovam Buarque - Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF.

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